segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Mar portuguez - Fernando Pessoa



Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

No contexto da Primeira Guerra Mundial e das influências das correntes de vanguarda europeias surge em 1915, com a publicação da revista literária Orpheu, o modernismo português. Os poetas buscavam uma reconstrução da cultura portuguesa, reascendendo o espírito saudosista e nacionalista do povo português. É neste contexto que surge Fernando Pessoa, o principal escritor do modernismo português e um do maiores poetas portuguêses de todos os tempos, ao lado de Luís Vaz de Camões.
Em vida, Pessoa publicou uma única obra ortonômia chamada "Mensagem", um livro composto por poemas que em geral contam a história do país e projetam o sonho de um futuro e glorioso novo império. Em "Mar portuguez" percebemos que o poeta retoma a época das grandes navegações, onde os burgueses buscavam a dominação dos mares em prol da dilatação do império.
Na primeira estrofe o poema afirma que muito do sal existente no mar é fruto das lágrimas de Portugal ou do povo português e que para que este fosse conquistado foi necessário muita dor e sofrimento do povo. Este sofrimento é representado na mesma estrofe pelo choro das mães, a prece dos filhos e a privação das noivas. O mar representa o objeto que os portuguêses buscavam e a dor o que, sem o qual, não se poderia possuir o mar.
Na segunda estrofe o poeta indaga se valeu a pena tanto sacrifício. Valeu sim. Primeiro porque o que o país queria era grandioso, resultado de uma vontade que não vê apenas interesses restritos e imediatos. "Tudo vale a pena se a alma não é pequena", afirma o poeta. Segundo porque sem dor e sofrimento não haveria a ampliação do território. "Quem quer passar além do bojador tem que passar além da dor", afirma o poeta.
Enfim, como vemos nos dois últimos versos, o mar é perigoso, porém é também  espelho da grandeza e da sublimidade, já que o céu se reflete nele.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Canção do exílio - Gonçalves Dias


Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.


Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.


Em  cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Gonçalves Dias nasceu em 1823 na cidade de Caxias(MA), era filho de um português e uma mestiça e orgulhava-se de trazer no sangue a mistura das raças formadoras do Brasil. Em Coimbra, estudou direito e devido a isso suas primeiras publicações sofreram uma forte influência da literatura medievalesca portuguêsa, com acentuada tendência clássica. Quando escreveu o poema em 1843, se encontrava em Coimbra realizando seus estudos universitários, ou seja, em exílio voluntário e não político.
A primeira fase do romantismo brasileiro buscou se desligar dos modelos clássicos que sempre se prenderam aos modelos greco-latinos. O poema busca uma métrica popular (redondilhas maiores: versos de sete sílabas poéticas), uma forte musicalidade que tem a ver com o jeito de falar brasileiro e com certos recursos, como o ritmo e a rima. A simplicidade na linguagem, o saudosismo, o subjetivismo, o sentimentalismo e a idealização da natureza, são outras características desta canção de amor à pátria onde evidencia-se o nacionalismo próprio dos românticos.
O poema se articula em torno da oposição entre dois espaços; a pátria (Brasil) e o exílio (Portugal). Tal antítese é evidenciada pelas palavras lá e cá, oxítonas marcantes que também ressaltam a nacionalidade. Portugal se torna um lugar de exílio marcado pela carência e o Brasil, a pátria amada, o país exuberante e paradisíaco.
O poeta ainda faz uso de elementos naturais brasileiros como a palmeira e o sabiá, enfatizando o nacionalismo. Sabiá, com letra maiúscula, confere um significado simbólico ao pássaro, criando uma sonoridade muito brasileira, jamais vista, ao aparecer quatro vezes no poema e ao rimar com os monossilábicos cá e lá.
"É uma poesia cujo encanto verbal desaparece quando traduzida para outra língua. Desaparece mesmo quando dita com a pronúncia portuguesa", diz o poeta moderno brasileiro Manuel Bandeira se referindo à Canção do exílio.
Vários outros escritores também registraram a sensação do exílio parodiando a canção de Gonçalves Dias ou mantendo com ela relações de intertextualidade. Dentre eles: Casimiro de Abreu, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Jõao Paulo Paes, dentre outros. Em 1909, Osório Duque Estrada venceu um concurso instituído para a escolha da letra do Hino Nacional onde manteve uma relação de intertextualidade com a segunda estrofe do poema.
Enfim, o primeiro canto brasileiro verdadeiramente autêntico, o melhor exemplo em poesia do projeto romântico de construçaõ de uma realidade nacional.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A Carolina - Machado de Assis




Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.


Este poema foi dedicado por Machado de Assis ao seu único grande amor, a esposa Carolina Xavier de Novais, com quem viveu durante 35 anos (até a morte dela). Machado de Assis possuia inúmeras condições pro insucesso. Era mulato (neto de escravos alforriados), gago, sofria de epilepsia, era pobre (filho de uma lavadeira e um pintor de paredes) e durante a infância sofreu inúmeras perdas. Não frequentou a escola e sempre foi um autodidata. Acima de tudo, gozava de uma genialidade inexplicável. Foi jornalista, crítico literário, crítico teatral, teatrólogo, romancista, poeta, cronista e contista. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e que logo de ínicio foi aclamado presidente perpétuo.
Sua obra é dividida em 2 fases: a fase romântica (ou fase preparatória) e a fase realista (ou fase da maturidade). "Carolina" data da segunda fase da produção machadina onde fica evidente o amadurecimento estético do autor, principalmente na prosa. Percebemos ao ler o poema, alguém triste diante de uma perda. Carolina foi o único amor da vida dele e, a morte dela, fez com que ele descuidasse da sua própria saúde, sendo tomado por uma profunda angústia e um enorme desânimo.
No poema, ele diz ir até o leito onde a esposa descansava levar flores e que também irá sempre levar-lhe seu coração companheiro. Coração onde, apesar de todo o enfrentamento humano diante da perda, ainda pulsa um afeto verdadeiro. Carolina ainda inspirou o escritor a criar a personagem Dona Carmo, de Memorial de Aires.