segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Motivo - Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.


O poema é da primeira grande poetisa brasileira, Cecília Benevides de Carvalho Meireles. Ela nunca esteve ligada a nenhum movimento literário. Sua poesia se manteve presa ao lirismo da tradição portuguesa, porém pessoalmente expressiva. Apesar disso, a presença de elementos como o vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão, o espiritualismo e a musicalidade permite associá-la ao neo-simbolismo, transformando em seus belos poemas sua melancolia e o sentimento da saudade e do tempo que passa. A poetisa apresenta tambem maturidade perante as angústias da vida e as mais significativas expressões do lirismo moderno.
Em "Motivo", Cecília renuncia ao mundo. Volta a explorar temas clássicos como a efemeridade das coisas e a fugacidade do tempo. Ela canta porque o instante existe e a vida é feita disso. Se define "poeta", nem alegre nem triste. Se mostra matura perante as angústias da vida, pois aproveita a vida cantando enquanto pode.