segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Via Láctea (soneto XIII) - Olavo Bilac



"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto...

 
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

 
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

 
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

O soneto XIX faz parte do poema intitulado Via Láctea, do poeta parnasiano Olavo Bilac. O Parnasianismo surgiu e meados do século XIX se contrapondo aos ideais realistas/naturalistas da época. O nome do movimento vem da França e era designado para as antologias poéticas publicadas a partir de 1866 com o título de Parnasse Contemporain (Parnaso Contemporâneo) e que continham poemas de Gautier, Banville e Leconte de Lisle. Parnaso é o nome de um monte da Grécia onde, segundo a mitologia grega, o poetas se reuniam para criar.
Os parnasianos defendiam ao princípio da "arte pela arte" e acreditavam que o real objetivo da arte não é tratar dos problemas sociais e humanos, como faziam os realistas, mas sim alcançar a perfeição em sua construção. Durante esse movimento, a preocupação com a forma supera a preocupação com o conteúdo.
No Brasil, um dos principais representantes do parnasianismo foi o poeta Olavo Bilac, nomeado "príncipe dos poetas". Nascido em 1865, no Rio de Janeiro, tentou seguir carreira em Medicina e Direito, porém não se formou em nenhum destes cursos. Dedicou-se ao jornalismo e à literatura.
Via Láctea, apesar do conteúdo romântico, mantém o formalismo rigoroso dos parnasianos, busca a perfeição formal, percebe-se nele o gosto dos poetas parnasianos pelos sonetos e apresenta vocabulário culto e grande quantidade de rimas em sua construção. Quanto ao conteúdo, podemos perceber que o eu-lírico diz ouvir estrelas. Por mais estranho que seja ele persiste na ideia. Será que ele tem ficado louco? A resposta é não, pois ele ama. apenas quem ama pode ser capaz de ouvir e entender estrelas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ismália - Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

 
Uma reação contra o materialismo e o positivismo da geração realista, fez surgir, no final do século XIX, um movimento onde se valorizava a vida espiritual. Rejeitando as soluções racionalistas, empíricas e mecânicas que foram apresentadas à sociedade pela ciência da época e buscando ideais desprezados pela mesma, nascia o Simbolismo, que no Brasil, se inicia com a publicação dos livros Missal e Broquéis, de Cruz e Souza.
Ismália é obra do poeta simbolista brasileiro Alphonsus de Guimaraens, mineiro cujas poesias expressam uma atitude reflexiva e melancólica sobre praticamente um mesmo tema: a morte da mulher amada. O poema apresenta: interesse pela loucura, como vemos nos versos “Quando ismália enlouqueceu” e “E no desvario seu”; pelas zonas profundas da mente (inconsciente e subconsciente); misticismo e religiosidade, que pode ser percebido pela citação da crença na existência de Deus no verso “As asas que Deus lhe deu”; pessimismo, além de anti-materialismo e anti-racionalismo. Retoma elementos de tradição romântica, como a atração pela morte e elementos decadentes da tradição humana, aproximando-se da poesia ultrarromântica por voltar a explorar temas macabros e ambientes noturnos e misteriosos.
O poema é constituído com base em antíteses que se articulam em torno dos contraditórios desejos de Ismália, que se dividem entre realidade espiritual e realidade concreta. Ela queria subir ao céu, mas ao mesmo tempo queir a descer ao mar. Ela queria a lua do céu, porém também queria a lua do mar, dentre outras.
O simbolismo valoriza os aspectos interiores e pouco conhecidos da alma e da mente humana. Essa característica pode ser comprovada pelo uso de expressões como alma, sonho, desvario e outras presentes no poema.
Ismália consegue realizar o desejo simbolista de transcendência espiritual, pois como vemos na última estrofe: “Sua alma subiu ao céu, seu corpo desceu ao mar”.
Concluindo, presenciamos uma mulher que, estando e uma torre, enlouquece pelo desejo que tinha pela lua. A lua que via no céu e também o reflexo da mesma no mar. Na torre ela cantava e nutria esse desejo inalcançável de ter ambas. Acreditando que poderia voar, ela se lança da torre em busca deste sonho.