terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A cruz da estrada - Castro Alves


Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

Quando, à noite, o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.

O poema "A cruz da estrada" foi escrito  por Antonio Frederico de Castro Alves, ou como é conhecido, Castro Alves. Ele nasceu na Bahia e estudou direito em Recife e em São Paulo. Sua obra pertence a 3ª geração do Romantismo brasileiro, conhecida como condoreirismo, referente ao condor (um tipo de águia que sobrevoava os altos picos da Cordilheira dos Andes). Nomeado "poeta dos escravos", sua obra representa maturidade, com posturas mais críticas, e transição, pois sua perspectiva crítica apontava para o Realismo. Ele não produzia em seus versos o estilo melancólico - depressivo de seus antecessores, porém abraçava com grande entusiasmo as causas públicas, principalmente a abolicionista, denunciando a crueldade da escravidão e clamando por liberdade.
"A cruz da estrada" marca o local onde está enterrado um escravo e faz o poeta refletir sobre o que é a vida e a morte para quem vive na escuridão. A vida do escravo foi "o velar de insônia atroz", um longo dia de cruel sofrimento, e a morte representa para ele o fim deste sofrimento, o descanso.
Um caminhoneiro, como era de costume, passava por lá e jogava um ramo de alecrim sobre a cruz da estrada. Porém, o escravo viveu sempre sozinho, sem pessoas que se importassem com ele e quando morre é acolhido por Deus e pela natureza e não precisava de gestos como este pois eles apenas serviam para espantar as borboletas que ali estavam. Tanto que o eu-lírico diz "Não precisa de ti", ou seja, ele não precisa mais de teu gesto piedoso.
Alguns elementos da natureza substituem o homem e dão ao escravo morto o que ele não recebeu dos seres humanos em vida. O gaturamo, um tipo de pássaro, geme e lamenta por ele. A parasita o prende num abraço de flores. A grama chora orvalhos por ele e o vaga-lume ilumina sua sepultura como se fosse uma vela.
Por fim, representa uma época da história brasileira em que a liberdade dos escravos era conquistada apenas com a morte.