terça-feira, 25 de setembro de 2012

Alma minha gentil, que te partiste - Luís Vaz de Camões



Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Este é um soneto do poeta clássico português Luís Vaz de Camões escrito para sua amada, a jovem chinesa Dinamene. Ela morreu afogada depois que o barco onde viajava com o poeta naufragara. Diz-se que neste naufrágio, Camões conseguiu pelo menos salvar o manuscrito de "Os Lusíadas", segurando-o com uma das mãos e nadando com a outra. Muitos foram os sonetos escritos por ele lamentando a morte de Dinamene.
Na primeira estrofe, dois advérbios reforçam a ideia de distância que há entre o poeta e sua amada. "Lá" se refere ao céu (onde ela se encontrava) e "cá" se refere a terra (onde ele se encontrava). Ainda na mesma estrofe, o poeta faz uso do termo repousar como eufemismo para falar da morte de uma maneira mais suave, amenizada.
A expressão "lá no assento etéreo", na segunda estrofe, retoma a ideia de céu da primeira estrofe. Por fim, nas três últimas estrofes, ele pede para que ela não se esqueça do amor que vira nele e que, se for de seu merecimento, ela peça a Deus que ele possa o quanto antes voltar a vê-la.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Amor é fogo que arde sem se ver - Luís Vaz de Camões






Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?


 Este poema é do poeta português Luís Vaz de Camões, o maior nome do Classicismo em Portugal. Ele foi um excelente sonetista, sendo que a maioria de sua obra lírica é composta por sonetos, versos decassílabos divididos em 2 quartetos e 2 tercetos, e redondilhas, estrofes com versos de cinco ou sete sílabas. Chamado na época de medida nova, o soneto opunha-se a medida velha que eram as tradicionais redondilhas. Os sonetos de Camões são tão atuais e verdadeiros em expressão de sentimentos que nem parecem ter sido escritos há quase quinhentos anos. Refletindo sobre o amor, ele produziu seus versos mais famosos. O amor nos deixa com inúmeros efeitos, perturbados, sem raciocínio. E perguntando-se "o que é o amor" Camões pode nos deixar este clássico.
Nas três primeiras estrofes, o eu-lírico descreve os efeitos causados pelo amor. Efeitos físicos, como se nossos próprios corpos fossem afetados por ele, e efeitos psicológicos, como se mechessem com nossos próprios desejos. Há ainda a exploração de diversas figuras de linguagem nestas estrofes, como a metáfora, a anáfora e o zeugma.
O último terceto nos revela que o eu-lírico não consegue entender como o amor, sendo em si tão contraditório, pode causar amizade nos corações humanos. Em Amor (com letra maiúscula) o poeta reflete sobre a essência do amor, universalizando a questão, como abstrata, pura e perfeita, acima de todas as expressões individuais.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Psicologia de um vencido - Augusto dos Anjos





Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e á vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

O poema "Psicologia de um Vencido" é um soneto (estruturado em 4 estofes, sendo 2 quartetos e 2 tercetos) do poeta Augusto dos Anjos. O poeta ocupa lugar à parte em nossa literatura devido a originalidade de sua obra que une características do Simbolismo com o cientificismo moralista.
Neste poema percebemos um vocabulário quase totalmente científico, com o uso de palavras como carbono, amoníaco, hipocondríaco, cardíaco, inorgânica, entre outros. Além disso há também agressividade no vocabulário pelo uso de termos até então considerados antipoéticos, como repugnância (nojo, aversão), verme (infame, desprezível) e carnificina (matança). Tais usos para tratar de temas frequentes como a morte, o nada, a decomposição da matéria e outros.
Já iniciando o poema, Augusto declara a supremacia da ciência para ele, ou seja, a não existência de um Deus. Segundo o mesmo, tudo fatalmente se arrasta para o mal e para o nada.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Buscando a Cristo - Gregório de Matos




A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
 
A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.
 
A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me
 
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.

Percebe-se que na arte barroca é mais comum vermos a imagem do Cristo sofredor do que a imagem do Cristo vitorioso, ou seja, representa-se mais as marcas de seu sofrimento como homem do que a sua vitória sobre a morte. Com isso as pessoas se envolviam mais emocionalmente. Neste soneto do poeta barroco Gregório de Matos, o eu-lírico volta seu olhar para o Cristo cruxificado e descreve suas marcas e feridas. Contudo, segundo a fé católica, ele morreu para salvar o homem pecador, logo esse sofrimento físico se torna garantia da salvação da alma humana.