quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Sou um guardador de rebanhos - Alberto Caeiro

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar numa flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei da verdade e sou feliz.

Fernando Pessoa é considerado o principal escritor do modernismo e um dos maiores poetas portugueses de todos os tempos. Sua genialidade era tão grande que não lhe bastava criar obras literárias. Criou também inúmeras identidades poétias, cada qual com sua biografia, estilo de vida, ideologia e traços físicos, os chamados heterônimos. Entre eles, um dos mais conhecidos é Alberto Caeiro.
Alberto Caeiro é uma espécie de poeta-filósofo que extrai seus pensamentos do seu contato direto com as coisas e a natureza. Defende a simplicidade da vida e a sensação como o único meio válido para se obter o conhecimento. Acredita que o homem, com suas teorias filosóficas e científicas e com suas religiões, só complicou mais as coisas e, por isso, olha o mundo como se fosse pela primeira vez.
O poema apresentado faz parte da principal obra de Caeiro: O guardador de rebanhos. Nele podemos perceber sua principais características, tais como o bucolismo, a linguagem simples e a importância da sensação para o poeta. Para ele pensar não é importante, mas sentir sim. Se define um guardador de rebanhos, que são seus pensamentos, que por sua vez são todos sensações.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Motivo - Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.


O poema é da primeira grande poetisa brasileira, Cecília Benevides de Carvalho Meireles. Ela nunca esteve ligada a nenhum movimento literário. Sua poesia se manteve presa ao lirismo da tradição portuguesa, porém pessoalmente expressiva. Apesar disso, a presença de elementos como o vento, a água, o mar, o ar, o tempo, o espaço, a solidão, o espiritualismo e a musicalidade permite associá-la ao neo-simbolismo, transformando em seus belos poemas sua melancolia e o sentimento da saudade e do tempo que passa. A poetisa apresenta tambem maturidade perante as angústias da vida e as mais significativas expressões do lirismo moderno.
Em "Motivo", Cecília renuncia ao mundo. Volta a explorar temas clássicos como a efemeridade das coisas e a fugacidade do tempo. Ela canta porque o instante existe e a vida é feita disso. Se define "poeta", nem alegre nem triste. Se mostra matura perante as angústias da vida, pois aproveita a vida cantando enquanto pode.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A cruz da estrada - Castro Alves


Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pousar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores, se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

Quando, à noite, o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
O sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o desposou.

O poema "A cruz da estrada" foi escrito  por Antonio Frederico de Castro Alves, ou como é conhecido, Castro Alves. Ele nasceu na Bahia e estudou direito em Recife e em São Paulo. Sua obra pertence a 3ª geração do Romantismo brasileiro, conhecida como condoreirismo, referente ao condor (um tipo de águia que sobrevoava os altos picos da Cordilheira dos Andes). Nomeado "poeta dos escravos", sua obra representa maturidade, com posturas mais críticas, e transição, pois sua perspectiva crítica apontava para o Realismo. Ele não produzia em seus versos o estilo melancólico - depressivo de seus antecessores, porém abraçava com grande entusiasmo as causas públicas, principalmente a abolicionista, denunciando a crueldade da escravidão e clamando por liberdade.
"A cruz da estrada" marca o local onde está enterrado um escravo e faz o poeta refletir sobre o que é a vida e a morte para quem vive na escuridão. A vida do escravo foi "o velar de insônia atroz", um longo dia de cruel sofrimento, e a morte representa para ele o fim deste sofrimento, o descanso.
Um caminhoneiro, como era de costume, passava por lá e jogava um ramo de alecrim sobre a cruz da estrada. Porém, o escravo viveu sempre sozinho, sem pessoas que se importassem com ele e quando morre é acolhido por Deus e pela natureza e não precisava de gestos como este pois eles apenas serviam para espantar as borboletas que ali estavam. Tanto que o eu-lírico diz "Não precisa de ti", ou seja, ele não precisa mais de teu gesto piedoso.
Alguns elementos da natureza substituem o homem e dão ao escravo morto o que ele não recebeu dos seres humanos em vida. O gaturamo, um tipo de pássaro, geme e lamenta por ele. A parasita o prende num abraço de flores. A grama chora orvalhos por ele e o vaga-lume ilumina sua sepultura como se fosse uma vela.
Por fim, representa uma época da história brasileira em que a liberdade dos escravos era conquistada apenas com a morte.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Via Láctea (soneto XIII) - Olavo Bilac



"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo 
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto, 
Que, para ouvi-las, muita vez desperto 
E abro as janelas, pálido de espanto...

 
E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

 
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

 
E eu vos direi: "Amai para entendê-las! 
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".

O soneto XIX faz parte do poema intitulado Via Láctea, do poeta parnasiano Olavo Bilac. O Parnasianismo surgiu e meados do século XIX se contrapondo aos ideais realistas/naturalistas da época. O nome do movimento vem da França e era designado para as antologias poéticas publicadas a partir de 1866 com o título de Parnasse Contemporain (Parnaso Contemporâneo) e que continham poemas de Gautier, Banville e Leconte de Lisle. Parnaso é o nome de um monte da Grécia onde, segundo a mitologia grega, o poetas se reuniam para criar.
Os parnasianos defendiam ao princípio da "arte pela arte" e acreditavam que o real objetivo da arte não é tratar dos problemas sociais e humanos, como faziam os realistas, mas sim alcançar a perfeição em sua construção. Durante esse movimento, a preocupação com a forma supera a preocupação com o conteúdo.
No Brasil, um dos principais representantes do parnasianismo foi o poeta Olavo Bilac, nomeado "príncipe dos poetas". Nascido em 1865, no Rio de Janeiro, tentou seguir carreira em Medicina e Direito, porém não se formou em nenhum destes cursos. Dedicou-se ao jornalismo e à literatura.
Via Láctea, apesar do conteúdo romântico, mantém o formalismo rigoroso dos parnasianos, busca a perfeição formal, percebe-se nele o gosto dos poetas parnasianos pelos sonetos e apresenta vocabulário culto e grande quantidade de rimas em sua construção. Quanto ao conteúdo, podemos perceber que o eu-lírico diz ouvir estrelas. Por mais estranho que seja ele persiste na ideia. Será que ele tem ficado louco? A resposta é não, pois ele ama. apenas quem ama pode ser capaz de ouvir e entender estrelas.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ismália - Alphonsus de Guimaraens

Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

 
Uma reação contra o materialismo e o positivismo da geração realista, fez surgir, no final do século XIX, um movimento onde se valorizava a vida espiritual. Rejeitando as soluções racionalistas, empíricas e mecânicas que foram apresentadas à sociedade pela ciência da época e buscando ideais desprezados pela mesma, nascia o Simbolismo, que no Brasil, se inicia com a publicação dos livros Missal e Broquéis, de Cruz e Souza.
Ismália é obra do poeta simbolista brasileiro Alphonsus de Guimaraens, mineiro cujas poesias expressam uma atitude reflexiva e melancólica sobre praticamente um mesmo tema: a morte da mulher amada. O poema apresenta: interesse pela loucura, como vemos nos versos “Quando ismália enlouqueceu” e “E no desvario seu”; pelas zonas profundas da mente (inconsciente e subconsciente); misticismo e religiosidade, que pode ser percebido pela citação da crença na existência de Deus no verso “As asas que Deus lhe deu”; pessimismo, além de anti-materialismo e anti-racionalismo. Retoma elementos de tradição romântica, como a atração pela morte e elementos decadentes da tradição humana, aproximando-se da poesia ultrarromântica por voltar a explorar temas macabros e ambientes noturnos e misteriosos.
O poema é constituído com base em antíteses que se articulam em torno dos contraditórios desejos de Ismália, que se dividem entre realidade espiritual e realidade concreta. Ela queria subir ao céu, mas ao mesmo tempo queir a descer ao mar. Ela queria a lua do céu, porém também queria a lua do mar, dentre outras.
O simbolismo valoriza os aspectos interiores e pouco conhecidos da alma e da mente humana. Essa característica pode ser comprovada pelo uso de expressões como alma, sonho, desvario e outras presentes no poema.
Ismália consegue realizar o desejo simbolista de transcendência espiritual, pois como vemos na última estrofe: “Sua alma subiu ao céu, seu corpo desceu ao mar”.
Concluindo, presenciamos uma mulher que, estando e uma torre, enlouquece pelo desejo que tinha pela lua. A lua que via no céu e também o reflexo da mesma no mar. Na torre ela cantava e nutria esse desejo inalcançável de ter ambas. Acreditando que poderia voar, ela se lança da torre em busca deste sonho.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Mar portuguez - Fernando Pessoa



Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.

Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.

No contexto da Primeira Guerra Mundial e das influências das correntes de vanguarda europeias surge em 1915, com a publicação da revista literária Orpheu, o modernismo português. Os poetas buscavam uma reconstrução da cultura portuguesa, reascendendo o espírito saudosista e nacionalista do povo português. É neste contexto que surge Fernando Pessoa, o principal escritor do modernismo português e um do maiores poetas portuguêses de todos os tempos, ao lado de Luís Vaz de Camões.
Em vida, Pessoa publicou uma única obra ortonômia chamada "Mensagem", um livro composto por poemas que em geral contam a história do país e projetam o sonho de um futuro e glorioso novo império. Em "Mar portuguez" percebemos que o poeta retoma a época das grandes navegações, onde os burgueses buscavam a dominação dos mares em prol da dilatação do império.
Na primeira estrofe o poema afirma que muito do sal existente no mar é fruto das lágrimas de Portugal ou do povo português e que para que este fosse conquistado foi necessário muita dor e sofrimento do povo. Este sofrimento é representado na mesma estrofe pelo choro das mães, a prece dos filhos e a privação das noivas. O mar representa o objeto que os portuguêses buscavam e a dor o que, sem o qual, não se poderia possuir o mar.
Na segunda estrofe o poeta indaga se valeu a pena tanto sacrifício. Valeu sim. Primeiro porque o que o país queria era grandioso, resultado de uma vontade que não vê apenas interesses restritos e imediatos. "Tudo vale a pena se a alma não é pequena", afirma o poeta. Segundo porque sem dor e sofrimento não haveria a ampliação do território. "Quem quer passar além do bojador tem que passar além da dor", afirma o poeta.
Enfim, como vemos nos dois últimos versos, o mar é perigoso, porém é também  espelho da grandeza e da sublimidade, já que o céu se reflete nele.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Canção do exílio - Gonçalves Dias


Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.


Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.


Em  cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Gonçalves Dias nasceu em 1823 na cidade de Caxias(MA), era filho de um português e uma mestiça e orgulhava-se de trazer no sangue a mistura das raças formadoras do Brasil. Em Coimbra, estudou direito e devido a isso suas primeiras publicações sofreram uma forte influência da literatura medievalesca portuguêsa, com acentuada tendência clássica. Quando escreveu o poema em 1843, se encontrava em Coimbra realizando seus estudos universitários, ou seja, em exílio voluntário e não político.
A primeira fase do romantismo brasileiro buscou se desligar dos modelos clássicos que sempre se prenderam aos modelos greco-latinos. O poema busca uma métrica popular (redondilhas maiores: versos de sete sílabas poéticas), uma forte musicalidade que tem a ver com o jeito de falar brasileiro e com certos recursos, como o ritmo e a rima. A simplicidade na linguagem, o saudosismo, o subjetivismo, o sentimentalismo e a idealização da natureza, são outras características desta canção de amor à pátria onde evidencia-se o nacionalismo próprio dos românticos.
O poema se articula em torno da oposição entre dois espaços; a pátria (Brasil) e o exílio (Portugal). Tal antítese é evidenciada pelas palavras lá e cá, oxítonas marcantes que também ressaltam a nacionalidade. Portugal se torna um lugar de exílio marcado pela carência e o Brasil, a pátria amada, o país exuberante e paradisíaco.
O poeta ainda faz uso de elementos naturais brasileiros como a palmeira e o sabiá, enfatizando o nacionalismo. Sabiá, com letra maiúscula, confere um significado simbólico ao pássaro, criando uma sonoridade muito brasileira, jamais vista, ao aparecer quatro vezes no poema e ao rimar com os monossilábicos cá e lá.
"É uma poesia cujo encanto verbal desaparece quando traduzida para outra língua. Desaparece mesmo quando dita com a pronúncia portuguesa", diz o poeta moderno brasileiro Manuel Bandeira se referindo à Canção do exílio.
Vários outros escritores também registraram a sensação do exílio parodiando a canção de Gonçalves Dias ou mantendo com ela relações de intertextualidade. Dentre eles: Casimiro de Abreu, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Jõao Paulo Paes, dentre outros. Em 1909, Osório Duque Estrada venceu um concurso instituído para a escolha da letra do Hino Nacional onde manteve uma relação de intertextualidade com a segunda estrofe do poema.
Enfim, o primeiro canto brasileiro verdadeiramente autêntico, o melhor exemplo em poesia do projeto romântico de construçaõ de uma realidade nacional.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A Carolina - Machado de Assis




Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs o mundo inteiro.

Trago-te flores - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.


Este poema foi dedicado por Machado de Assis ao seu único grande amor, a esposa Carolina Xavier de Novais, com quem viveu durante 35 anos (até a morte dela). Machado de Assis possuia inúmeras condições pro insucesso. Era mulato (neto de escravos alforriados), gago, sofria de epilepsia, era pobre (filho de uma lavadeira e um pintor de paredes) e durante a infância sofreu inúmeras perdas. Não frequentou a escola e sempre foi um autodidata. Acima de tudo, gozava de uma genialidade inexplicável. Foi jornalista, crítico literário, crítico teatral, teatrólogo, romancista, poeta, cronista e contista. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e que logo de ínicio foi aclamado presidente perpétuo.
Sua obra é dividida em 2 fases: a fase romântica (ou fase preparatória) e a fase realista (ou fase da maturidade). "Carolina" data da segunda fase da produção machadina onde fica evidente o amadurecimento estético do autor, principalmente na prosa. Percebemos ao ler o poema, alguém triste diante de uma perda. Carolina foi o único amor da vida dele e, a morte dela, fez com que ele descuidasse da sua própria saúde, sendo tomado por uma profunda angústia e um enorme desânimo.
No poema, ele diz ir até o leito onde a esposa descansava levar flores e que também irá sempre levar-lhe seu coração companheiro. Coração onde, apesar de todo o enfrentamento humano diante da perda, ainda pulsa um afeto verdadeiro. Carolina ainda inspirou o escritor a criar a personagem Dona Carmo, de Memorial de Aires.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Alma minha gentil, que te partiste - Luís Vaz de Camões



Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou.

Este é um soneto do poeta clássico português Luís Vaz de Camões escrito para sua amada, a jovem chinesa Dinamene. Ela morreu afogada depois que o barco onde viajava com o poeta naufragara. Diz-se que neste naufrágio, Camões conseguiu pelo menos salvar o manuscrito de "Os Lusíadas", segurando-o com uma das mãos e nadando com a outra. Muitos foram os sonetos escritos por ele lamentando a morte de Dinamene.
Na primeira estrofe, dois advérbios reforçam a ideia de distância que há entre o poeta e sua amada. "Lá" se refere ao céu (onde ela se encontrava) e "cá" se refere a terra (onde ele se encontrava). Ainda na mesma estrofe, o poeta faz uso do termo repousar como eufemismo para falar da morte de uma maneira mais suave, amenizada.
A expressão "lá no assento etéreo", na segunda estrofe, retoma a ideia de céu da primeira estrofe. Por fim, nas três últimas estrofes, ele pede para que ela não se esqueça do amor que vira nele e que, se for de seu merecimento, ela peça a Deus que ele possa o quanto antes voltar a vê-la.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Amor é fogo que arde sem se ver - Luís Vaz de Camões






Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;

É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;

É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?


 Este poema é do poeta português Luís Vaz de Camões, o maior nome do Classicismo em Portugal. Ele foi um excelente sonetista, sendo que a maioria de sua obra lírica é composta por sonetos, versos decassílabos divididos em 2 quartetos e 2 tercetos, e redondilhas, estrofes com versos de cinco ou sete sílabas. Chamado na época de medida nova, o soneto opunha-se a medida velha que eram as tradicionais redondilhas. Os sonetos de Camões são tão atuais e verdadeiros em expressão de sentimentos que nem parecem ter sido escritos há quase quinhentos anos. Refletindo sobre o amor, ele produziu seus versos mais famosos. O amor nos deixa com inúmeros efeitos, perturbados, sem raciocínio. E perguntando-se "o que é o amor" Camões pode nos deixar este clássico.
Nas três primeiras estrofes, o eu-lírico descreve os efeitos causados pelo amor. Efeitos físicos, como se nossos próprios corpos fossem afetados por ele, e efeitos psicológicos, como se mechessem com nossos próprios desejos. Há ainda a exploração de diversas figuras de linguagem nestas estrofes, como a metáfora, a anáfora e o zeugma.
O último terceto nos revela que o eu-lírico não consegue entender como o amor, sendo em si tão contraditório, pode causar amizade nos corações humanos. Em Amor (com letra maiúscula) o poeta reflete sobre a essência do amor, universalizando a questão, como abstrata, pura e perfeita, acima de todas as expressões individuais.